“Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada não bordaram ainda com desenhos finos a trama vã de nossos míseros destinos, é que nossa alma arriscou pouco ou quase nada”. (Charles Baudelaire)

Eu desenvolvi este trabalho desde o final da minha graduação em Belas Artes, então aos poucos eu fui montando este trabalho. Os bordados são feitos em entretelas, aquele material usado para forrar roupas, e, como ele é semitransparente, eu bordo por cima dele. Então, as coisas que estão menos visíveis no trabalho é porque eu sobrepus. Eu bordo em várias camadas, geralmente três: cada figura é bordada em uma camada e eu sobreponho. Por fim, existem coisas que são mais visíveis e outras menos visíveis propositalmente, de acordo com o que representa o trabalho.

Eu trabalho basicamente com figuras humanas, apesar de que existem outros elementos não humanos no trabalho, mas tudo começou com as figuras humanas, que são o que interessa, pelo fato de que isso nos fala das relações entre as pessoas.

Este trabalho é o primeiro de uma série de uma exposição que eu fiz, baseado em contos de fadas, contos e fábulas de conhecimento de todos, que todo mundo conhece desde pequeno, que também são mitos que me interessam muito. Eu tenho um trabalho com diversas mitologias.

Veio a mim essa ideia de trabalhar com os contos de fadas, porque essa coisa de sobrepor as camadas de entretelas cria uma narrativa no meu trabalho, que muito me interessa, essa questão literária, a questão narrativa de contar uma historia. Antes, bordava outras coisas, diferentes, não diretas, que tinham a presença de fábulas, mitologias, religiosas, que eu acho que têm a ver com o bordado mineiro, mas aí eu quis extrapolar isso e passei pra uma outra referência.

No trabalho da Bela Adormecida, eu pego este conto de fadas e trago para um contexto mais atual, mais contemporâneo. Pego imagens na mídia a que eu tenho acesso, televisão, internet, revistas, eu uso muito imagens que encontro em revistas, de moda ou qualquer outro tipo, que eu, ao procurar a imagem, acho interessante. Então, eu trago essas imagens para um outro contexto que aqui eu joguei na historia da Bela Adormecida.


No trabalho da Branca de Neve, eu meio que transformo toda a história, tem uma provocação.  Na verdade, o trabalho tem uma beleza que é proposital para atrair o olhar e encantar as pessoas, mas também é pra provocar e trazer questionamentos em torno das nossa vivências humanas, das nossas relações pessoais.


Em Chapeuzinho Vermelho e Cinderela, eu uso outros elementos também. No bordado eu uso elementos do próprio universo da costura, como os alfinetes que estão fincados nesses corações. Eu uso elementos de pinturas também, manchas na abóbora, tinta de tecido meio aguada que vou pintando algumas partes e costurando. Tem algumas coisas que parecem feridas abertas, pra tratar de questões humanas, de sentimentos, dessa angústia que o ser humano vive.


João e Maria, João e o Pé de Feijão, O Patinho Feio, Peter Pan, Pinóquio, Rapunzel, Alice no País das Maravilhas são outros trabalhos desta série.








 

Há algumas coisas muito interessantes no meu trabalho. Pesquisei sobre psicanálise, para ver o que a psicanálise falava sobre os contos de fada, mas é uma coisa que a partir do momento em que eu fiz, eu não tenho muito controle sobre o que as pessoas vão enxergar no trabalho. E isso eu acho ótimo também, eu acho que tem que ser assim mesmo pois as pessoas percebem as questões afetivas.

Eu tinha toda uma pesquisa, foram muitas referências que eu pesquisei para colocar, ele foi para a exposição e para a venda e teve uma moça que comprou este trabalho. Ela nem o havia visto pessoalmente, ela viu somente fotos dele e comprou na aventura. Na exposição, ela se apresentou para mim e foi explicando por que ela comprou este trabalho, ela enxergou a vida dela inteira neste trabalho, ela teve câncer e enxergou a historia da Rapunzel na sua vida. Tem o útero com ovários bordado, a mãe e a filha, na época a filha dela foi para os Estados Unidos. E eu pensei: é, realmente eu bordei este trabalho pra ela. Toda a referência que eu pensei quando fiz este trabalho foi por água abaixo.


No meu trabalho, há uma coisa de trazer essas histórias para um contexto contemporâneo, em que a gente vive, então o nosso dia a dia, os nossos dramas familiares e que eu acho que têm a ver com o bordado, de estar bordando e fofocando e falando dos amores.

Quando as pessoas veem meu trabalho falam que nunca viram um trabalho de bordado em artes plásticas, mas há muitos artistas que bordam também, e eu acho que pesquisando um pouco sobre essa questão do bordado na arte contemporânea eu vejo que tem a questão de os artistas trazerem uma coisa do íntimo, suas intimidades, suas questões afetivas e pessoais que num primeiro momento partem deles, mas que estão no inconsciente de outras pessoas, do público, e são uma coisa que precisa desse público para o trabalho acontecer.

Este trabalho é de 2009. Eu fui convidado para participar de um evento sobre Guimarães Rosa, que acabou não acontecendo. Era um trabalho em cima do Grande Sertão: Veredas. Aceitei fazer e era um grande desafio trazer o meu bordado para o universo de Guimarães Rosa. Tinha a questão literária, que eu gosto no meu trabalho, e lendo o livro, depois, eu achei algumas coisas interessantes para fazer.

A série se chama Mapas Imaginários e tenho pensado em outros destinos para ela, participando de outras exposições coletivas que eu acho que cabem este meu trabalho. A pesquisa iniciou no mundo imaginário de Guimarães Rosa, e depois pesquisando imagens contemporâneas que eu acho que tinha uma relação com isso.

Além dos alfinetes, eu fui tentando incorporar o máximo de elementos da costura possível, já que estava costurando e bordando. No uso dos alfinetes, eu acho que tem a questão da beleza, mas o que eu quero trazer são provocações e inquietações e acho que o alfinete traz uma metáfora disso. É uma alfinetada. Eu uso coloridos que tanto enfeitam quanto perfuram, estão ferindo. E, neste trabalho, como traz referências de mapas eu também incorporei os alfinetes de mapa porque, além de ser um trabalho que falava do Grande Sertão: Veredas, ele também era baseado no trabalho do artista curitibano Poty Lazzarotto, que fez as primeiras ilustrações do livro que eram mapas do sertão.

Neste trabalho tem uma coisa de contrário, coisas que têm um ruído, que têm um contraste. É bonito, mas ao mesmo tempo é triste, as coisas enfeitam, mas ao mesmo tempo ferem, isso me interessa enquanto questionamento, enquanto artista, enquanto pessoa.






O que me toca e O que me cega são dois trabalhos que fazem parte de uma outra série também do ano passado, agora com um artista de Belo Horizonte, em que foca mais a questão poética que eu gosto também do meu trabalho. É uma serie que junto formava  um poema que se relaciona com a cena que está acontecendo no fundo.



A minha questão com o bordado é autodidata, eu nunca fiz nenhuma aula de bordado. Eu comecei a bordar como uma coisa instintiva, eu faço o desenho a lápis e vou bordando por cima, da maneira que der na telha, e fui desenvolvendo um jeito de acordo com a pintura. A maneira como eu bordava, imperfeita, é proposital. Como eu tirava as figuras geralmente de catálogos de moda, que eram pessoas que têm uma questão com a beleza, a maioria são figuras modelos, figuras bonitas, aquele bordado que não era imperfeito, talvez ele traria também um questionamento para as figuras que aparentemente eram perfeitas, belas, bonitas. Mas me interesso por aquele bordado imperfeito, aleatório, irregular, que traz uma mensagem ou uma questão por trás.

Não é a técnica que me interessa, por ser bordado tem uma questão por detrás da figura bordada, da beleza da figura bordada, mas eu não me apego à técnica.

O que me pisa, O que me cala, O que me guia são outros títulos dos trabalhos desta série. Já nestes outros eu bordo o título dentro do próprio trabalho, ele se chama “Quando bordei teu nome na minha lembrança”, e eu faço um jogo de palavras com a questão do bordado e da costura. O verso bordado trata da questão da palavra como imagem, da palavra que é, também, imagem.




Quando desenhei bordado no seu coração e Quando escrevi imagens do meu desejo fazem parte desta série.




A moda é uma referência do meu trabalho, com o tempo eu fui pegando imagens não só de modelos bonitos, mas de figuras da moda. Tem também uma questão religiosa no meu trabalho. Tem várias referências que eu vou pegando de vários lugares para colocar tudo no mesmo lugar, e eu acho que o bordado vai justificando um pouco isso, costurando uma coisa na outra e aí faz-se um quadro com várias referências.

Este é um trabalho de 2006. Eram dois travesseiros. Neles tem o titulo que acompanha o trabalho, a montagem é numa mesa com tampo de vidro, com a frase no vidro, era uma visão das relações afetivas. O bordado é das figuras que estão deitadas, na cama.



A última série, Para te aquecer, Para te esperar, Para se sentir, Para nos unir e Para ti voar, traz uma figura humana e um objeto do universo da costura, como o ferro de passar roupa  que serve para te aquecer, mas que também  pode queimar.






E assim é o meu trabalho com  o bordado: aleatório, intuitivo, provocador, figurativo, propositalmente belo, inquietante, poético.